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quarta-feira, 16 de maio de 2012

COMISSÃO DA VERDADE


Ainda estão vivos alguns pais, parentes e amigos de muitas pessoas que foram presas, torturadas e algumas desapareceram sem que a família tivesse o direito de saber como, onde e porque eles sumiram sem que deixassem quaisquer vestígios, portanto, nem puderam enterrar seus familiares.
Algumas pessoas perguntam se essa Comissão da Verdade tem conotação de revanchismo. Só pensam assim quem desconhece o sofrimento, a angústia de quem viveu naquela época e teve alguém preso pelo regime militar sofrendo as barbaridades impostas de forma constrangedora. Muitos sequer conseguem falar no assunto, tamanho o abuso usado contra um ser humano nas prisões pelo Brasil todo, sem respeito, sem justiça, apenas porque assim ditavam os ditadores.
Desconhecem a história porque era proibido falar no assunto, até porque se falasse era preso e torturado. O judiciário pouco podia fazer, as arbitrariedades eram urgidas pelos dirigentes estaduais nomeados pelo governo federal e o Presidente Militar ordenava todas essas manobras para erradicar o comunismo no Brasil. Comunista era um vilão, bastava ser contra qualquer coisa do regime militar que estava com seu destino traçado, ser preso. Muitos foram torturados até a morte para confessar um crime que era maior do que eles podiam imaginar, tudo era montado ardilosamente pelos torturadores. Isso foi um período de imensa vergonha ao país, marcado pelo horror e desrespeito ao ser humano, semelhante a uma coisa conhecida e bem divulgada pelos filmes da Segunda Guerra Mundial contra os judeus, não tínhamos salas de incineração conhecidas – hoje se tem notícias de fornos usados para sumir com os corpos, mas, muitas pessoas desapareceram e nunca mais se teve notícias, dentre elas, jovens estudantes que foram considerados perigosos por dirigir órgãos estudantis, fazendo greves e manifestações contra o governo.
Muitos ficam boquiabertos e não acreditam nas histórias. Participando da gravação sobre a vida de Mauro Borges, seu filho se surpreendeu com a falta de informação das pessoas ali presentes, não porque tenham pouca cultura, muito mais porque o tempo negro da ditadura militar não é contado, muito se esconde. Somente a partir de 1993 é que alguns livros começaram a ser lançados no mercado. 
Para os cinegrafistas a história da prisão do ex-governador em 1966, no Rio Grande do Sul,  pareciam cenas de um filme. Mauro Borges estava proibido de dar entrevistas desde sua saída do governo, mas, com a publicação de seu nome em uma lista de pessoas cassadas pelo governo militar naqueles dias, a curiosidade dos jornalistas foi aguçada e um mais esperto o descobriu em Porto Alegre, fez a entrevista e publicaram com destaque, no Jornal do Brasil do Rio de Janeiro, a sua frase dizendo que se sentia muito honrado em ter sido cassado pelo governo militar. Foi o suficiente para que no dia seguinte, já em São Francisco de Assis, ele desconfiasse que alguns homens que estavam em cima do telhado, como se estivessem consertando as telhas, não eram simples trabalhadores. Militar de formação, Mauro comentou com a família que aqueles homens, provavelmente, estavam ali o vigiando. Estava correto, no meio da noite, invadiram a casa, arrombando a porta, todos com metralhadoras na mão, prenderam o ex- governador dizendo que tinham ordens para levá-lo para a prisão militar em Porto Alegre. Temendo por sua vida, sua esposa pediu para que o filho Ubiratan acompanhasse o pai, os militares permitiram. Na prisão tinha somente a cama de alvenaria, sem colchão, para ele se acomodar. Logo trouxeram a comida, por precaução, ele não comeu, notou que deixaram a porta sem trancar. Um jovem entrou para buscar o prato e se identificou como filho de um ex subordinado, do tempo em que ele servira no Rio Grande do Sul, sussurrando ele disse que o pai o admirava, meio apavorado, avisou que estavam lhe armando uma cilada se ele saísse da cela. Mauro Borges pediu a ele um jornal, cobriu o rosto com ele e dormiu. Foi acordado com estrondo de um tiro dado ao lado de seu rosto, atordoado pelo barulho perguntou ao sargento armado porque aquilo. Ele respondeu que a arma tinha disparado sozinha. Mauro, tinha sido instrutor de tiro no exército, entendia bem de armas e aquele revólver jamais dispararia sozinho, tinha sido mais uma provocação para que ele reagisse e assim eles teriam um motivo para matá-lo. Ele pensou e sem nenhuma alternativa, achou melhor deitar novamente. Felizmente, no dia seguinte ele saiu da prisão graças ao bom advogado, Sobral Pinto, o mesmo que impetrou o Habeas Corpus a seu favor quando ainda estava no governo, motivo de estudo até hoje.
Era tanto horror acontecendo por todo o Brasil, que muitos jovens optaram por sair do país, inclusive, o filho do ex-governador, imaginem um jovem, com apenas 20 anos, ser designado por sua mãe para velar pela vida de seu pai ameaçada pelos militares, e, também, por ser responsável para  agilizar a ação de um dos maiores advogados do Brasil. Embora muito jovem, fez com sucesso a sua missão. 
E, ainda, pensam que a Comissão da Verdade pode ser uma revanche, como desfazer os traumas e restaurar as consequências desses atos? Durante mais de quinze anos deixaram várias famílias sem direito ao trabalho, já que seus cargos foram tomados pelo governo militar, e, o mais triste, como restituir a vida de tantos jovens, pais e mães de famílias que desapareceram?
Os dois filhos mais velhos do ex-governador já trabalhavam quando seu pai foi deposto, eles tiveram seus direitos suspensos, ambos foram afastados de seus empregos por serem filhos de um homem cassado. Enquanto durou o regime militar eles foram marcados. Era uma prática comum dos órgãos de repressão do regime militar perseguir o cassado e toda a sua família, ascendentes e descendentes.


Um comentário:

  1. Esses dois comentários foram postados no jornal on line " A Redação " que publicou esse texto - Comissão da Verdade.

    2012.05 | : Por Maurício Zaccariotti
    Parabéns Maria Dulce. Belo artigo. Expressão da verdade. Aqueles que foram perseguidos pela Ditadura, como nós, sabemos que o que vc disse é, apenas, um fiapo do terror existente na época. A chamada "Comissão da Verdade" é mais do que necessária para passar à limpo o que aconteceu naqueles anos de chumbo e mostrar à geração atual as barbaridades cometidas. Maurício.

    2012.05 | : Por Cejana Di Guimarães
    Cara Maria Dulce, adorei ler o seu artigo. Exato, honesto, rico em memória. Ele me remeteu a um tempo que não existe mais. O tempo de pessoas dignas. O tempo dos valores, mesmo em politica. Ele me trouxe muitas lembranças, principalmente do meu avô, Antônio Juruena Di Guimarães que foi muito amigo de Mauro e um dos poucos a apoiá-lo mesmo durante o Golpe Militar, fazendo inclusive questão de estar ao seu lado no Palácio das Esmeraldas no momento em que foi deposto. Ou da minha tia France que em 1964 convidou-o para padrinho de casamento - depois de deposto e perseguido - enfrentando o clima tenso e agressivo da época. E ainda recusando-se como jovem procuradora a trabalhar para o novo governo militar. Lembrei-me de muitas histórias ouvidas durante a infância sobre o caráter e a honestidade de Mauro e de seu governo revolucionário - iniciando inclusive uma reforma agrária - e de ter saído da política com as mesmas posses com as quais entrou. Coisa hoje mais do que rara, praticamente inexistente. Obrigada pelo artigo! Obrigada pelas lembranças!

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