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sexta-feira, 11 de maio de 2012

MEU ENCONTRO COM DONA GERCINA BORGES TEIXEIRA


TESTEMUNHO DE UM CIRURGIÃO – Meu encontro com Da. Gercina Borges Teixeira

HÉLIO MOREIRA

Academia Goiana de Letras
Academia Goiana de Medicina
Instituto Histórico e Geográfico de Goiás



Se observarmos a biografia dos grandes homens iremos sempre encontrar ao seu lado a mulher que lhe dá suporte, embora esta figura nem sempre apareça com a luminosidade merecida; muitas vezes estas criaturas preferem, vencendo inclusive o desejo pessoal de mostrar suas potencialidades, sujeitarem-se ao anonimato, com o intuito de não desviar os holofotes que são dirigidos ao companheiro.
             Algumas delas, mesmo não desejando fazer sombra ao marido, realizam por atos e exemplos, feitos que as põem em evidência no meio da sociedade em que vivem; independentemente dos seus anseios pessoais são colocadas diante de fatos consumados que as obrigam a assumir, de maneira definitiva, o compromisso com a história.
             Todos os biógrafos de Pedro Ludovico Teixeira ressaltam, com justiça, a sua trajetória de vida política, social e familiar, porém, a figura da sua esposa Da. Gercina, cognominada pelo povo da nossa terra de “A grande Dama” nem sempre é realçada com a dimensão que ela merece.
            A história da vida dos homens é escrita em capítulos e a função do historiador é juntar estes fragmentos que ficaram dispersos em épocas que a sombra dos tempos embaralhou e trazer à tona os coadjuvantes do ator principal que, de alguma maneira, tiveram atuação no enredo da vida; alguns destes coadjuvantes não serão lembrados, são como os soldados das frentes de batalha que morrem no anonimato; os que sobrevivem entram para a história como simples narradores dos feitos dos seus generais.
            A minha profissão de médico tem me proporcionado a oportunidade de me aproximar de muitos destes ídolos da vida pública; guardo nas minhas lembranças o relacionamento que mantive com alguns deles, estrelas ou coadjuvantes, sempre motivados por alguma relativa dificuldade existencial que eles traziam ao meu conhecimento, na expectativa de encontrar consolo e possível alivio de sofrimento.
            Poucas profissões permitem, já no primeiro encontro, esta aproximação tão carinhosa provocada pela empatia médico/paciente; o médico (o que tem ouvidos para ouvir) ouve o relato do ser que se posta à sua frente cheio de temores e incertezas; logo no primeiro encontro, como num passe de mágica, adentramos no seu recôndito e passamos a ser testemunhas e confidentes das suas dores e das suas incertezas.
            A partir daí o paciente nos “acompanha” em todas as nossas movimentações diárias, parece que passam a fazer parte da nossa família!
            Não existe honraria maior para um médico do que a de ter a oportunidade de tentar ser útil a figuras que a história registrará com marcas indeléveis; conto-lhes um destes acasos que o destino me reservou - o encontro com Da. Gercina, esposa do Dr. Pedro Ludovico Teixeira.
            Ela veio sozinha (na verdade, provavelmente algum acompanhante ficou na sala de espera), se identificou (claro que não haveria necessidade) como se fosse uma paciente comum; confesso-lhes que fiquei emocionado (eu era tão jovem!); não poderia deixar de saber que estava ali na minha frente uma das mulheres mais importantes da história de Goiás.
            Ela deve ter percebido meu embaraço, ajudou-me a ficar à vontade, iniciando comigo um diálogo que nunca mais iríamos interromper a não ser minutos antes da sua morte.
            Informou-me que foi encaminhada pelo seu cunhado o médico Dr. Diógenes Magalhães, o qual, segundo ela, confiava muito na medicina goiana; chamou-me a atenção a sua maneira simples de se vestir, quase sem adereços e ausência completa de afetação. Fiquei feliz, muito feliz por conhecê-la e principalmente porque ela, como figura humana, ultrapassou os limites das minhas expectativas.
Infelizmente o diagnóstico da doença não lhe era muito favorável, com prognóstico reservado; operada, acompanhei-a no consultório durante muitos meses, nunca ouvi de Da. Gercina um reclamo, um lamento, voltando sempre nos dias marcados para revisões e tratamento quimioterápico (naquela época as drogas apresentavam muitos efeitos colaterais, causando-lhe sofrimento).
            Ela achava tudo natural, não ficava bem para uma “Grande Dama” reclamar de pequenas coisas; tinha somente uma preocupação: - “Não deixe o Pedro se inteirar do meu estado de saúde, ele não tem estrutura para suportar estas coisas”; ela se esquecia de que o Pedro era médico, portanto vivia dia e noite todos os problemas da companheira.
            Há um episódio que preciso realçar para o conhecimento dos goianos: quando falei ao Dr. Pedro sobre a necessidade de intervenção cirúrgica ele não discutiu a indicação; pediu-me o orçamento, disse-lhe que fosse ao Hospital São Salvador para discutir os preços, uma vez que o cirurgião e a equipe nada lhe cobrariam. Alguns minutos depois voltou e pediu-me alguns dias de prazo antes de encaminhá-la para o Hospital. Não lhe perguntei a razão e nem ele falou-me qual seria; depois fiquei sabendo que este prazo seria necessário para ele ir a sua fazenda vender algumas vacas para custear as despesas hospitalares.
              Episódio emblemático da vida pública brasileira se compararmos com os dias atuais; embora Dr. Pedro Ludovico Teixeira tenha “mandado” no estado de Goiás por mais de trinta anos, não tinha condições financeiras para acudir a companheira com quem vivia há quase sessenta anos; pediu-me que adiasse a cirurgia por alguns dias para arrecadar dinheiro para atender as despesas com o internamento hospitalar!
                Infelizmente a evolução da doença foi inexorável; quando pressentimos que a medicina não mais podia ajudá-la, atendemos ao seu pedido de voltar para sua casa, segundo ela disse na ocasião: “Aquela casa da rua 26, onde vivi grande parte da minha vida, me reserva grandes recordações que estão sempre presentes no meu coração”.
            Poucas horas antes de falecer, tive mais uma prova da fibra desta mulher; chamou-me para bem perto, puxou-me pelos braços e falou-me quase que cochichando: “Dr. Hélio, o senhor nunca me enganou, sabia do diagnóstico desde minha primeira visita ao seu consultório, agradeço-lhe a tentativa de enganar-me, porém, não poderia baquear para não transmitir desassossego ao Pedro. Em todos estes anos o Pedro passou por crises piores do que esta que curso agora e nunca deixou transparecer qualquer abatimento!”.
                        Nós médicos, infelizmente, estamos acostumados a ver pacientes morrerem; no entanto, não conseguimos aceitar placidamente a vitória da morte; tomado de pungente emoção beijei sua fronte; senti naquela oportunidade que, com Da. Gercina morria também um capítulo importante da história de Goiás.

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